quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Aprender a ouvir as preocupações dos pais: 3 casos de crianças com atrasos de desenvolvimento

Investigações anteriores já demonstraram que os pais (ou outros cuidadores primários) são bastante precisos na identificação de alterações de desenvolvimento nas suas próprias crianças e que suas preocupações iniciais são muitas vezes corroboradas por subsequente avaliação profissional.

Este conhecimento tem incentivado o uso da avaliação dos pais como uma estratégia eficaz e centrada na família para a triagem do desenvolvimento das crianças, de modo que possam ser feitas as referências apropriadas para posterior avaliação e intervenção pela consulta de desenvolvimento.

O Harris Infant Neuromotor Test (HINT) é uma ferramenta de triagem projetada para discriminar o desenvolvimento típico dos atípicos em bebés entre os 2,5 e os 12,5 meses. O HINT é composto por três partes: 
  1. informações básicas sobre a gravidez e o parto 
  2. 5 questões com a opinião dos pais sobre o movimento/interacção da criança
  3. o examinador administra 21 itens que, quando somados, determinam a pontuação total HINT.

Os itens na parte III envolvem principalmente a avaliação observacional da capacidade da criança se mover em várias posições, amplitude de movimento passivo, tónus muscular, observação do movimento anti-gravidade, postura das mãos e dos pés, frequência e variedade de movimentos, comportamento geral da criança e cooperação durante o teste, a presença de comportamentos estereotipados e medição da circunferência da cabeça.

Este estudo de caso tem por objectivo avaliar a validade do HINT na identificação de atrasos de desenvolvimento em três casos de crianças encaminhadas para o autor pelos pais, por preocupações com o seu desenvolvimento. O autor comparou ainda os resultados da terceira parte do HINT com os resultados na Bayley-II Motor Scale, para uma valiação da avaliação do desenvolvimento mais abrangente nestes três casos.

Apresentação dos casos clínicos


Todas as três crianças eram meninas, nascidas a termo, com peso e comprimento adequado para a idade gestacional, embora a criança 2 estivesse no limite do pequeno para a idade gestacional. Não houve dificuldades nas gestações ou partos.

Cada criança foi encaminhada para o autor para avaliação do desenvolvimento por expressas preocupações dos pais sobre possíveis atrasos motores nos seus filhos, como moleza ou baixo tónus muscular e/ou possível paralisia cerebral.


Testes utilizados
Em relação ao HINT, quanto maior a pontuação total, maior é o atraso em habilidades motoras. Com base nos dados normativos, a criança é considerada desenvolvida de forma apropriada se o resultado está dentro da média ±1 DP para a sua faixa etária. Bebés com mais que 1 DP acima da média são encaminhados para uma avaliação mais abrangente, em que se utilize, por exemplo, a Bayley-II Motor Scale, que tem um score máximo de 100, e em que as crianças com 1 a 2 DP baixo da média são consideradas com ligeiro atraso de desenvolvimento e as com mais de 2 DP são consideradas com atraso significativo e devem ser encaminhadas para serviços de intervenção precoce.

Ambos os testes foram administrados por um fisioterapeuta especializado em pediatria, com mais de 30 anos de experiência clínica.

Como o HINT é um teste de rastreio, foi administrado primeiro, seguido pela Bayley-II Motor Scale. Cada mãe estava presente para a avaliação e completou as cinco perguntas do HINT que lhe eram destinadas antes da parte motora do teste ter sido aplicada pelo fisioterapeuta.

Resultados


Criança 1: 9,5 meses, 1ª filha, foi acompanhada pela mãe e pelo pai. Ambos os pais e o médico de família tinham observado sinais de preocupação quando a bebé tinha 6-7 meses de idade, ou seja, que ela era pequena e ainda não se sentava de forma independente.

Aos 7-8 meses, a mãe descrevia a bebé como "mole", não se querendo sentar ou suportar o seu peso em pé apoiada. Uma recente avaliação por um pediatra incluiu referência para testes de níveis de creatina fosfoquinase, função renal e hepática e exames de ultra-som abdominal e craniano. De acordo com os pais, todos os resultados dos testes estavam dentro dos limites normais.

No questionário HINT para os pais, estes diferiram um pouco nas suas respostas. Na questão 2 o pai considerou que os movimentos da criança eram "ótimos", a mãe respondeu que "estava um pouco preocupada". Na questão 3, o pai sentiu que a bebé estava "um pouco atrasada", enquanto a mãe respondeu "muito atrasada", no que diz respeito à questão 4, o pai não tinha outras preocupações, mas a mãe expressou preocupações sobre a capacidade limitada da criança em se mover contra gravidade e não gostar de ser colocada em decúbito ventral. Na questão 5, a mãe relatou que o médico da família estava preocupado por a bebé ainda não se sentar ou “usar as pernas”.

Qualitativamente, os resultados do HINT e do Bayley-II Motor Scale apresentaram maiores atrasos do que os expressos pelo pai (um pouco atrasado), mais comparáveis com aqueles expressos pela mãe (muito atrasada).

Criança 2: 9 meses e 21 dias, a mãe havia expressado preocupações de que a criança era "mole”, com atraso a alcançar metas motoras. Havia sido encaminhada pelo médico de família a um pediatra que ordenou um eletroencefalograma, tomografia computadorizada, e vários exames de sangue e urina. De acordo com a mãe da criança, todos os resultados estavam dentro dos limites normais.

Na questão 1 do HINT, a mãe descreveu a bebé como “mole e preguiçosa, um pouco solta/um pouco pressa", por exemplo, que a criança arqueava as costas para a frente quando sentada. Na questão 2 estava "tudo bem, mas um pouco preocupada" e à questão 3 "ligeiramente atrasada/um pouco para trás". Na questão 5, relatou que sua própria mãe e irmã, o seu melhor amigo e um terapeuta ocupacional pediátrico também estavam preocupados com a bebé.

Qualitativamente, os resultados do HINT e do Bayley-II Motor Scale sugerem um maior grau de atraso do que foi relatado pela mãe na questão 3 da HINT, ou seja, um pouco atrasada.

Criança 3: 13 meses, 1ª filha. Embora fosse tecnicamente mais velha do que a faixa etária coberta pela HINT, ainda era possível calcular a idade neuromotora equivalente e comparar a sua pontuação HINT total com os dados normativos de crianças com 12 meses de idade. A mãe havia expressado preocupações de que a sua filha parecia ter "um tónus baixo", e que ambos os pais estavam preocupados que a bebé ainda não gatinhava ou ficava em pé independentemente.

Na questão 1 do HINT a mãe descreveu a sua filha como "mole e preguiçosa", na questão 2, revelou que estava "um pouco preocupada" e sentiu que sua filha estava "um pouco atrasada" (pergunta 3). Na questão 4 a mãe comentou que estava preocupada por a bebé ainda não se agarrar à mobília para se manter de pé. Na questão 5, o marido também estava "um pouco preocupado".

Qualitativamente, os resultados do HINT e do Bayley-II Motor Scale sugerem atrasos motores significativos, enquanto a mãe expressou, na questão 2, que estava apenas "um pouco preocupada" e pensou que a sua filha estava apenas "um pouco atrasada" na questão 3.


Conclusão



Os fisioterapeutas especializados em pediatria devem ouvir atentamente as preocupações dos pais sobre os seus filhos e tomar medidas para fornecer avaliação do desenvolvimento motor e, quando for o caso, encaminhar as crianças para posterior avaliação mais abrangente e/ou serviços de intervenção precoce.



Harris SR. Listening to parents' concerns: three case examples of infants with developmental motor delays. Pediatr Phys Ther. 2009 Fall;21(3):269-74.


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